Você já leu...? Repeteco
(Republished on 2024-07-21, originally publised in Erro Semântico ⤴ on 2017-02-16)
Quadrinhos são muito mais que super heróis de colante ou garotos de cabelos espetados salvando o mundo. Que tal uma chef de cozinha descontente com sua vida e que quer abrir seu próprio restaurante?
Essa é a premissa inicial de Repeteco, a mais recente graphic novel de Bryan Lee O’Malley, famoso pela série Scott Pilgrim. Ela foi lançada em 2014, mas chegou apenas em 2016 ao Brasil.
Misturando elementos fantasiosos a uma história aparentemente comum e personagens cativantes e muito, muito humanos, Repeteco é uma obra fantástica. Sucintamente e sem spoilers, a trama é a seguinte: Katie é uma chef de cozinha competente mas insatisfeita com seu trabalho atual no restaurante “Repeteco”. Seu sonho é ter seu próprio restaurante, coisa que ela já está providenciando, mas alguns empecilhos surgem em seu caminho - entre eles, consequências de decisões antigas que ainda a atormentam. Contudo, após alguns acontecimentos inusitados, Katie descobre que ganhou algumas segundas chances para literalmente corrigir erros do passado.
A arte de O’Malley traz muito da estética do mangá japonês, com olhos grandes, faces expressivas e dinamismo. Porém, seus traços esbanjam estilo próprio e passam longe de ser uma mera cópia ou simplismo, transmitindo energia e sentimentos com desenvoltura. Também destaco o trabalho com as cores, fortes e intensas, como a trama.
O’Malley tem sua forma característica de contar histórias, sempre com bom humor, um pouco sarcástico, introspectivo, mas dramático quando preciso. Sinto que tanto a narrativa quanto a arte estão mais maduros e sensíveis que em Scott Pilgrim. Enquanto neste haviam inúmeras referências à cultura pop e videogames, em Repeteco parece que o próprio autor amadureceu, e são os sentimentos e os dilemas da protagonista que movem a narrativa. Aliás, são justamente os personagens, com suas qualidades e defeitos, tão humanos e carismáticos, que tornam esta obra tão cativante.
A tradução, que ficou a cargo de Érico Assis, é primorosa. A atenção aos detalhes, à informalidade que é o tom geral e à história como um todo trazem uma naturalidade e fluidez na leitura que difícilmente encontrei em outras obras. Foi um trabalho muito bom mesmo.
Li críticas em relação à tradução do título: no original em inglês, a obra é intitulada “Seconds”. Contudo, esse nome nada tem a ver com “segundos”, no conceito de tempo. Seconds, nesse caso, é quando repetimos um prato, depois de terminamos de comer o primeiro. Nesse caso, “Repeteco” é, em minha opinião, um ótimo título, ainda mais levando-se em consideração toda a história.
Em suma, gostei muito de Repeteco e recomendo fortemente!